Nos últimos anos, uma revolução silenciosa tem acontecido no campo da pesquisa médica, com a implementação crescente de estudos clínicos descentralizados (DCTs, na sigla em inglês). Essa nova abordagem promete transformar a maneira como testes clínicos são conduzidos, aumentando a diversidade de participantes e acelerando o desenvolvimento de tratamentos e medicamentos. E, ao mesmo tempo, coloca o paciente no centro de toda a experiência de pesquisa.
O que são Estudos Clínicos Descentralizados (DCTs)?
Os estudos clínicos descentralizados diferem significativamente dos ensaios tradicionais. Em vez de exigir que os pacientes se desloquem até centros de pesquisa para realizar exames, consultas e interagir com os pesquisadores, os DCTs utilizam tecnologias digitais para permitir que os participantes participem de suas casas ou locais mais próximos. Isso inclui o uso de aplicativos móveis, dispositivos conectados ao corpo, telemedicina e plataformas online que monitoram a saúde do paciente em tempo real.
Esse modelo é ideal para superar barreiras geográficas e físicas, permitindo que pacientes em regiões mais distantes ou de difícil acesso tenham a chance de participar de estudos clínicos que poderiam estar fora de seu alcance. Com o uso de tecnologias, é possível acompanhar os efeitos dos tratamentos de forma remota e coletar dados de forma mais ágil e eficiente.
Os benefícios para a diversidade de pacientes
Um dos grandes avanços trazidos pelos estudos descentralizados é o aumento da diversidade dos participantes. No Brasil, com sua rica diversidade étnica, os DCTs têm o potencial de aumentar a representatividade nos ensaios clínicos, permitindo que pessoas de diferentes origens, condições socioeconômicas e regiões geográficas participem mais ativamente dos estudos. Isso é importante, pois muitas pesquisas clínicas no passado tiveram uma população majoritariamente de indivíduos brancos, o que limita a compreensão dos efeitos dos tratamentos em outros grupos étnicos e culturais.
De acordo com a Associação Brasileira de Organizações Representativas de Pesquisa Clínica (Abracro), o Brasil já lidera a América Latina com mais de 10 mil estudos clínicos realizados. Porém, ainda representa apenas 2% das pesquisas clínicas globais. O país tem o potencial de se tornar um centro global de pesquisa devido à sua população multiétnica e vasta geografia, que oferecem uma ampla gama de dados valiosos para a ciência.
Os desafios enfrentados pelos Estudos Clínicos Descentralizados
Embora os DCTs apresentem benefícios significativos, a transição para esse modelo também enfrenta desafios, principalmente no que se refere à regulamentação, logística e acessibilidade tecnológica.
1. Regulação e marcos legais
A pandemia de COVID-19 acelerou a adaptação das agências reguladoras, como a Anvisa, que flexibilizaram algumas normas para permitir que ensaios clínicos continuassem mesmo com as restrições de mobilidade. Contudo, com o fim da pandemia, muitos dos ajustes feitos de emergência foram descontinuados, o que gerou um certo retrocesso. Especialistas apontam que a falta de uma regulamentação clara e ágil para DCTs ainda dificulta a aprovação e a implementação de novos estudos.
2. Desafios logísticos
Outro obstáculo significativo é a logística. O Brasil, por ser um país continental, enfrenta dificuldades na distribuição de medicamentos e na oferta de serviços médicos em regiões remotas. A entrega de medicamentos e coleta de amostras em áreas de difícil acesso exige uma infraestrutura robusta e redes de transporte eficientes. Contudo, empresas especializadas estão utilizando tecnologias de ponta para otimizar esses processos e expandir o alcance das pesquisas para mais regiões.
3. Tecnologia e inclusão digital
Enquanto a tecnologia facilita o gerenciamento dos estudos, ela também pode criar barreiras para alguns grupos, especialmente entre as populações com menor letramento digital ou mais idosas. Muitos participantes podem ter smartphones, mas dificuldades em usar aplicativos ou entender plataformas digitais. Pesquisadores têm se esforçado para superar esses desafios, criando soluções mais acessíveis, como o uso de WhatsApp para envio de informações ou suporte técnico remoto.
Como os DCTs podem acelerar o desenvolvimento de novos medicamentos
Estudos clínicos são fundamentais para o desenvolvimento de novos medicamentos e tratamentos. Contudo, o processo é caro, complexo e, frequentemente, demorado. De acordo com uma pesquisa da Universidade de Tufts, o custo total para desenvolver e lançar um novo medicamento é de aproximadamente US$ 2,6 bilhões, e muitas vezes os ensaios enfrentam atrasos, o que acarreta custos ainda maiores.
A mudança para modelos descentralizados, que utilizam tecnologias como dispositivos remotos e aplicativos móveis, tem o potencial de reduzir significativamente esses custos. Um estudo de caso mostrou que ensaios de Fase 3 conduzidos com essas tecnologias tiveram um tempo de ciclo menor, o que se traduziu em uma conclusão mais rápida dos testes. Além disso, a coleta remota de amostras e as visitas virtuais reduzem os custos com deslocamento e infraestrutura, permitindo que os pacientes participem de forma mais confortável e conveniente.
O potencial do Brasil nas pesquisas clínicas
Com uma população diversa e um sistema de saúde em constante evolução, o Brasil tem grandes chances de se tornar um líder global em pesquisas clínicas. Além disso, com a recente aprovação da Lei nº 14.874 de 2024, que estabelece um novo marco regulatório para as pesquisas clínicas no país, o cenário está cada vez mais favorável para a expansão e a melhoria dos estudos descentralizados.
Os estudos clínicos descentralizados estão revolucionando a forma como a pesquisa médica é realizada, colocando o paciente no centro do processo. Essa mudança traz inúmeros benefícios, como a redução de custos, a aceleração do desenvolvimento de novos tratamentos e, principalmente, a maior inclusão e representatividade de diferentes grupos. Embora existam desafios a serem superados, como a adaptação das regulamentações e a superação das barreiras tecnológicas, a transição para um modelo mais centrado no paciente promete transformar a saúde global e abrir portas para um futuro mais inclusivo e inovador.
E você, o que pensa sobre essa transformação nas pesquisas clínicas? Como acredita que a inclusão digital e o uso de tecnologias podem influenciar as próximas gerações de pacientes e pesquisadores?